Outros Carnavais
Embora profundo apreciador dos grandes cronistas brasileiros, acho que a crônica quase que, invariavelmente, reveste-se de um caráter, excessivamente, personalista, o que, teoricamente, reduz sua amplitude, restringido-a a quem conheceu ou conhece as situações e personagens abordados, mas sempre lembrando que as crônicas nada mais são que um relato do cotidiano, seja ele passado, presente ou mesmo futuro.
Foi com esse pensamento que acabei por criar esta coluna.
Esta nova incursão pelo mundo da crônica foi motivada por um e mail que recebi a alguns meses, de um amigo de infância, de nome José Renato de Paula e Souza, que morou em União da Vitória de 69 a 70, e que hoje mora em São José dos Campos, São Paulo, e, que na época era também vizinho de cerca de nosso querido Tirone, que morreu, prematuramente, em 2001, foi meu primeiro grande amigo e como tal já foi abordado aqui neste espaço.
Zé Renato que vinha do interior de São Paulo possuía um sotaque diferente do nosso, além de usar alguns termos, igualmente, diferentes e que ainda hoje lembro com muita clareza. Para aquilo que para nós era denominado de lição de casa, para o Zé Renato era tarefa.
Outra peculiaridade de nosso amigo era esta construção de frases: “vou tomar o café”. Pensávamos, por que tomar o café e não, simplesmente, como nós, tomar café. Em sua mensagem ele, como eu, de prodigiosa memória, lembra-se do início do calçamento na Rua Barão do Cerro Azul, do campo de futebol que construímos no terreno atrás de nossas casas, onde hoje é um grande depósito de madeiras. Lembro-me do apelido que lhe demos “Banana”, que significava algo assim como “jurão”, outra antiga e como tal esquecida gíria.
Quase sempre que íamos chamá-lo para brincar, sua resposta era: não posso, estou fazendo as tarefas de casa. Daí a epígrafe. Hoje lembrando isso, sinto-me preconceituoso e talvez muito mais banana que o “Banana”, que na época tinha coragem de assumir suas responsabilidades enquanto nós, mesmo sem saber o que era isso, posávamos de outsiders, ostentando de peito estufado nosso já precoce sentimento machista, quando repito, mesmo sem saber associávamos desleixo com certa virilidade.
Mas estas interpretações sociológicas de nossos comportamentos, talvez sejam assunto para outro dia.
Fico com a boa lembrança de um tempo remoto, que, lamentavelmente, como frisou meu missivista eletrônico, não volta mais. Fica, portanto uma saudade doída, mas alegre, como aquele gosto amargo de festa que ficava em nossas bocas em outros carnavais.
Termino minha segunda crônica memorialista, citando um utópico, mas como tal, sempre esperançoso, verso de uma antiga canção do mestre Sivuca e de Paulinho Tapajós: “e há de voltar o tempo dos quintais, o tempo dos pardais e dos lampiões de gás, tempo em que o medo se chamou jamais”.
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