Palavras bonitas, palavras feias
As coisas recebem seus nomes arbitrariamente, somos ensinados. É por isso que ninguém se importa que uma agenda não se chame “marcadeira”, ou que um carro não se chame “tomba”, por exemplo; não há lógica e não importa. Mesmo as onomatopeias, que seriam motivadas pelos sons que representam, são diferentes de língua para língua; todo mundo sabe que os cachorros latem “Au-au” em português, “Wau-wau” (pronuncia-se vau-vau) em alemão e “Woof” em inglês. Então por que existem palavras bonitas e palavras feias?
Feio, de acordo com o Dicionário Priberan, é o que tem aspecto considerado desagradável. Também significa o que causa horror, que apavora. Se todas as palavras da língua são formadas com as letras do mesmo alfabeto, como algumas podem ter aspecto mais desagradável que outras? Não obstante, encontramos inúmeras referências a “belas palavras”. Ah, mas essa beleza se encontra no sentido, e não na aparência. Pois bem, palavras são consideradas feias quando seu sentido também assim é considerado, pois que o nome sugere a coisa. Como catarro e nauseabundo.
Independente dos sentidos ou significados, e se tomarmos as palavras apenas por elas mesmas, vivendo sozinhas, sem ter que ser nomes de nada? O menino quadradinho, de Ziraldo, entendeu que existem “palavras leves de coisas pesadas – trevas, inveja, e palavras pesadas de coisas leves – balão, algodão; palavras bonitas de coisas feias e palavras feias de coisas bonitas – cudelume”. Há palavras que são feias quando ditas, possuem um impacto fonético desagradável: arapuca, chicungunha. Nada parecido com cafuné, que já dá aquela ideia de descanso, de relaxamento. Aquelas cujos RR são pronunciados guturalmente soam ásperas (rascante, carreata), as que tem lh soam elegantes (alheio, semelhança). Nesse sentido as palavras bonitas são gostosas de se ouvir. Ouça camomila, como é suave e delicada, bem como morango e almofada. T. S. Eliot, poeta americano, em seu Ensaio sobre a musicalidade da poesia, adverte quanto ao uso de palavras feias, pois de acordo com ele tais palavras não conseguem conferir musicalidade ao poema; elas causam um efeito dissonante, fazendo má companhia às belas palavras. Entre as palavras portuguesas, as de origem indígena e africana talvez sejam as mais melodiosas: pipoca, mingau, samba e moleque.
Há palavras consideradas bonitas porque são gostosas de falar; eu, particularmente, acho macadâmia uma delícia. Maionese é uma palavra engordurada, besunta os lábios. E não é preciso ser sinestésico para sentir o seu gosto.
Palavrões, por sua vez, são considerados palavras feias, vinculadas à grosseria e à obscenidade. Embora abundantes, nem todos conseguem (ou desejam) habituar-se à naturalidade com que às vezes o baixo calão é recebido.
A Emília, do Sítio do Picapau Amarelo, classificou as palavras em cores, conforme a sua relação com elas, e organizou-as em caixas. Na caixa verde as palavras abridoras de portas: obrigada, por favor, bom dia. Na vermelha, as que ela odeia: poluição, fome, guerra. E na violeta as preferidas: meu, história, viagem. Narizinho se intrometeu e disse que amava a palavra amor; Emília respondeu: – Eca, amor é uma flor roxa que nasce no coração dos trouxas!
Todos esses aspectos, aparência, som e pronúncia, são muito particulares; cada um vai gostar ou não gostar de palavras diferentes por motivos muito diferentes. Onde existe mais concordância é justamente no que foi mencionado no primeiro parágrafo, o sentido. Conforme o contexto, no momento certo, as palavras serão consideradas bonitas ou feias, adequadas ou inadequadas. Assim como fez Emília, a boneca de pano, as palavras são como as cores e valem pelas relações em que são colocadas.
As palavras são guardadas e conservadas em nossa memória e em nosso patrimônio cultural por aquilo que evocam, o que se estabelece pelos campos semânticos; são vinculadas entre si pelas significações, pelas semelhanças fonológicas e morfológicas, por associações sintáticas. E são retomadas não somente pelo que significam em si, mas pelo que significam para quem fala e para quem ouve, pelas memórias a que apelam. E o critério de escolha não é apenas o gosto pessoal, mas principalmente a adequação ao propósito e ao ouvinte. Pessoalmente, o feio pode se tornar bonito; aos ouvidos ou olhos dos outros, porém, significa apenas o que lhes convém.
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