Pequeno apólogo da economia psíquica
No rio que corre ideias escavado pela língua flui o fluxo sanguíneo, onde tudo que é novo gravita uma correnteza motivada por um desaguar afluente, sedento de ser banhado, sujeito a inundações. Enxurrada permissiva onde aflui a vida transpondo seu vigor às regiões mais propícias, preparadas pela corredeira que força uma passagem, que escapa à represa física da moral, que inunda tudo aquilo que dá passagem à terraplanagem do pensamento. Nem tudo, contudo, é ideia nova, pensamento claro, sacada milagrosa. Ondas mais amplas surgem em série, se reescrevem se desenham se quebram e se divergem. Ondas se formam de um acúmulo da extensão do espaço de sua base à crista, amplificam o espaço físico que delimita seu cenário e erguem-se acima do nível submergível para que a corrente continue a circular e retorne à sua fonte. As correntes seguem uma direção, vão desembocando em ramificações organizadas como galhos e irrigam suas margens, dispõe à estrutura preparada dos elementos donde brotará sua autonomia mesma e da qual ressurgirá como expansão e nova fonte às subsequentes. Há quedas que relaxam o movimento mais ou menos contínuo e descem com rapidez e força suficientes para rachar o solo, de grandes quedas criam-se lagos que acumulam novamente essa constância e encontram uma saída tímida mas eficiente. Dali escorrega calmamente às valas estreitas, transpõe obstáculos e os dribla, serpenteia entre montanhas rochosas e duras até que novamente tome corpo generoso e ganhe cada vez mais força antes que penetre em espaços escavados por sua própria passagem. Nos períodos de seca seu leito corre lentamente, reduzido ao mínimo, e compromete seriamente sua capacidade de inundação, o fluxo segue apenas o estritamente necessário à sua passagem, há uma fraqueza geral na geração de energia e as reservas antes acumuladas procuram suprir essa falta. A monotonia dessa redução, a lentidão de sua corredeira, a fraqueza de seu empuxo a mantém quase inerte e é preciso a intervenção divina ou natural da chuva. Essa recarga banha e produz um ciclo cuja conclusão deverá ser cada vez mais rápida, devida a abertura de canais antes intransponíveis, a maior capacidade de mobilidade, a força e a rapidez com que a corrente se expande e se alarga. É nos períodos de cheia que sua vazão atinge os mais distantes territórios, mas é sua continuidade que definitivamente escava despejos. A insuficiente irrigação cria resistência à sua passagem, os caminhos tendem a ser fundamentalmente os mesmos até que outras saídas se o apresentem. Quanto mais houver esse estreitamento mais restrita será a direção do fluxo e inversamente, maior será a distribuição às áreas bem irrigadas. O fluxo começa a expandir-se e ramificar-se pela influência de pequenas mudanças geográficas, causadas por rachaduras na estrutura, pelas suas fragilidades, e pela insistência contínua ali depositada. E assim como o rio que não cabe mais em si e desemboca no mar, o mar banha o continente, que é o contorno de um corpo delimitado.
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