Pérola negra, Piazzolla e algumas reflexões
Noite dessas após receber alguns amigos em casa, enquanto juntava mortos e feridos, entenda-se aí copos para ser lavados e garrafas para o lixo, ouvia, como sempre faço, algumas músicas que me plugam, que são como o punctun, na teoria de Roland Barthes. Entre um e outro clássico de nossa música popular brasileira, tocou a lindíssima Pérola negra, de Luis Melodia. Eu a ouvi, pela primeira vez em 1974, embora ela tenha sido composta um ano antes, no apartamento de Neilor Camargo, em Curitiba. Eu havia ido a Curitiba com meu amigo Nivaldo Camargo, irmão de Neilor, para comprar, na extinta Stier, loja que funcionava na Praça Osório e que vendia equipamentos de som, caixas acústicas da Polivox, na época uma das melhores do Brasil, já que não tínhamos dinheiro para importar as fantásticas Marantz, que havíamos ouvido na casa do amigo de minha família, Clóvis Pacheco dos Santos, um dos mais notáveis audiófilos e jazzofilos das cidades. Havíamos comprado de Clóvis, a um preço bastante subsidiado, nosso primeiro amplificador, um Pró 1200, da Gradiente, que produzia um efeito quadrifônico, para utilizarmos em nosso recém fundado, Alucinasom.
Mas voltemos a Pérola negra. Caixas acústicas Polivox compradas, devíamos voltar para União da Vitória, com o ônibus das 7 da noite. Já com passagens compradas, tivémos dificuldade em encontrar um táxi para nos levar à rodoviária. Já em 1974, faltavam táxis em Curitiba na chamada hora do rush. Finalmente, conseguimos um, mas não chegamos a tempo de tomar o ônibus. Naquela noite não havia mais ônibus e nem tínhamos dinheiro para mais nada. Restavam-nos duas opções, irmos para o apartamento de minhas primas na Rua Voluntários da Pátria ou para o apartamento de Neilor, na XV. Optamos pelo apartamento de Neilor que era mais perto, já que carregávamos duas, relativamente, pesadas caixas e tínhamos que fazer aquele percurso a pé.
Chegamos ao apartamento, sem um único tostão no bolso. Ele nos financiou um X salada e uma coca no Ti Pi Ti Burgão, ali mesmo na XV, quase em frente ao seu apartamento. Voltamos para o apartamento e nos ajeitamos como deu na sala de nosso benfeitor, mas ao invés de assistir tv, fomos remexer nos discos dele, e, eis que entre muitos Pink Floyd e Beatles, achamos o disco de Luis Melodia. Ao ouvir Pérola negra, fiquei paralisado com sua beleza. Como me emociono até hoje ao ouvir tantas outras canções, como por exemplo, Adios Nonino e Oblivion, do mestre Piazzolla e Años de soledad, também de Piazzolla e Gerry Mulligan, que minha amiga de longa data, Malu Longhi, definiu com rara sensibilidade, como sublime, e, que ouço ao concluir essas linhas.
Mas o que me levou a escrever essa crônica não é a pungência, nem a beleza melancólica de um Piazzolla, mas o estranhamento que me causa ver pessoas que trocam ouvir um belo disco, uma velha canção, para assistir a programas de televisão muitas vezes medíocres e como tal mediocrizadores.
Evidentemente, que não sou um catastrofista e tampouco um niilista, que odeia televisão, ao contrário, acho que ela tem coisas de excelente qualidade, tanto como entretenimento, como coisas mais densas e reflexivas. Encerro essa crônica citando a frase de uma velha canção, que nem mesmo sei o nome, nem o autor, pois eu a ouvi apenas algumas vezes no rádio, nos anos 70, e que dizia, esqueça o filme da televisão e ligue seu rádio para ouvir essa canção.
É isso.
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