“Pirogues”
A Minha mãe não era descendente de Ucranianos, pelo contrário, a concentração de melanina na sua pele negra apontava uma afro descendência. Mas por ser casada com um, e ter convivido muito tempo com ucranianos, aprendeu seus costumes e culinária.
Após se aposentar, depois de décadas de serviços prestados ao hospital São Braz em Porto União, a Kuka se dedicou a fazer “pirogues”. Os autênticos ucranianos. Muita ricota e pouca, ou quase nada de batata.
O fazia com gosto, com amor. Mas como ela tinha todo o tempo do mundo, produzia pirogues na mesma quantidade que produzia sorrisos e gestos de amizade e bondade.
A produção extrapolava o consumo interno da família, incluindo, filhos, netos, noras, genro e até vizinhos, era muito pirogue.
Ela não admitia vende-los. Assim como produzia, os entregava de presente aquelesmais próximos , o que lhe trazia satisfação.
Como eu tinha acesso direto a “linha de produção”, também acabava ficando com razoável quantidade da iguaria. Da mesma forma, em casa o pirogue fazia parte do cardápio.
Eu e a Cinthya preparamos o prato em suas mais diversas e possíveis variáveis. Ao molho bolonhesa, frango, molho branco, alho e óleo, fritam, cozido… Certa ocasião, pra agradar suas netas, Joana e Camila, ela inovou e passou a produzir o recheio de ricota com linguiça.
Da mesma forma, como tinha um estoque regulador formidável no meu freezer, nunca os comercializei, sempre procurei presentear aqueles amigos mais próximos, de quem eu guardo apreço.
Como os pirogues produzidos pela Kuka vinham com amor e carinho, assim eu os repassava aos chegados, com energia positiva que a amizade caracterizava.
Na mesma velocidade e quantidade que vinham, os pirogues eram presenteados.
Não sei se ela sabia que eu doava aos amigos mais queridos e próximos. Também não creio que ela imaginava que nós consumíssemos tanto pirogue.
Mas não é essa a questão. A produção era a motivação. Aquilo lhe trazia paz interior e a felicidade de receber os elogios de quem consumia. Ela colocava nos pirogues a sua forma de amar e transmitir coisas boas.
A produção e a distribuição era o motivo que ela se apegava, entre um gole e outro do seu inseparável café preto, sorria, contava histórias e traduzia seus ensinamentos adquiridos ao longo de 72 anos de vida.
Minha mãe faleceu enquanto dormia, na madrugada do dia 14 de janeiro,após um final de semana festivo e agradável.
Dizer-lhe adeus, foi o ato mais doloroso e difícil da minha vida.
A produção de pirogues da Kuka cessou, mas eternos serão seus ensinamentos, sorrisos e lições de persistência e bondade. Sua passagem foi tranquila e discreta. Como era do seu feitio. Me conforta dizer que fiquei com a receita!
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