Ponto de partida*
A Ponte de Ferro persiste mesmo sem os trens a atravessarem. Caí em meu patético período de desligamento. Muitas vezes diante dos seres humanos igualmente bons ou maus, meus sentidos se desligam, se cansam. Eu desisto. Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém. Este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual. Deixo pra lá. Meu cérebro se tranca. Eu escuto. Eu respondo. E eles são broncos demais pra perceber que eu não estou mais ali.
Pensava que qualquer problema que você tivesse comigo era seu. Isso não é egoísmo ou derrotismo. É apenas um reflexo da minha existência. Tudo que era mau me atraia. Gostava de beber, era preguiçoso, não defendia nenhum deus, nenhuma opinião, nenhuma ideia, nenhum ideal. Eu estava instalado no vazio, na inexistência, e aceitava isso. Tudo isso fazia de mim uma pessoa desinteressante. Mas eu não queria ser interessante. Era muito difícil. Um fardo muito pesado para se carregar.
Acho que estou saindo do poder da juventude para o poder da idade. Este caminho é ainda mais longo. Sou tão idiota que me pego tendo arroubos de insegurança. Aliás, isto me perseguiu a vida toda. Hoje sou bem melhor. Eu achava que não valia a pena confiar em nenhum outro ser humano. O que quer que fosse preciso para estabelecer esta confiança, não estava presente na humanidade. Gostava de me sentir estranho a tudo. Se bem que não me sentia apenas. Eu era estranho. E às vezes ainda sou. Mas trabalho para isso ser diferente.
A mesmice vazia do mundo me deixa estranho. Tanto existe, pouco interessa. Mas estou aprendendo a valorizar o que realmente é bom. Isso se basta de forma natural. E me faz chegar onde jamais imaginei. A consciência de que me faltava coragem fez com que me sentisse péssimo, exaurido, sem vida. Foi uma ida e tanto para os porões do inferno. Eu vivi muito tempo no inferno. Mas nunca tinha estado nas profundezas.
Quando a verdade de outra pessoa fecha com a sua, e parece que isso foi escrito só para vocês, é maravilhoso. A vida faz sentido.
Houve um tempo no qual eu tinha o discurso decorado: “A vida só me ferra. Não nos damos bem. Tenho que comê-la pelas beiradas”. É… Pensamentos e palavras podem ser fascinantes, mesmo que inúteis. Esse é o Ponto de Partida: discernir entre tantas coisas mundanas o que é bom e o que não presta. Se você insistir no que é ruim, dane-se.
* Palavras de Henry Charles Buckowski (1920 -1994)
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