Propor a extinção de municípios
pequenos não pode envolver apenas um pensamento de ordem econômica.
No começo deste ano uma notícia vinda de Curitiba pegou a todos de surpresa, gerando comentários com os mais variados tons e conteúdos e gerando uma série de questionamentos na cabeça de muitos dos moradores de nossa região. Na segunda semana do último mês de janeiro vários prefeitos de cidades do interior reuniram-se na capital para debater uma proposta do Tribunal de Contas do Estado que prevê, como medida de economia, a extinção de todos os municípios paranaenses que contam com menos de cinco mil moradores. Proposta polêmica que levaria ao desaparecimento de 96 municípios em todo o Paraná, incluindo um de nossa região: Porto Vitória. Paula Freitas escaparia da medida mas apenas por muito pouco, uma vez que sua população ainda não atingiu os seis mil habitantes, no total.
Os argumentos em prol da medida são, todos, de ordem econômica. Defendem a necessidade de promover a economia dos recursos públicos em um momento em que todo o país enfrenta grave crise, inclusive com a falência de governos estaduais como o fluminense, o gaúcho e o mineiro. Neste sentido, a extinção destes municípios representaria o fim de aparatos administrativos formados por prefeitos, secretários, vereadores e demais servidores que precisam ser pagos pelos cofres federais, uma vez que estas prefeituras não conseguem arrecadar o suficiente para fazer frente às suas próprias despesas. Por outro lado, essa insuficiência na arrecadação faria com que, de acordo com o Tribunal de Contas, as populações destes municípios menores ficassem impossibilitadas de receber serviços públicos básicos com a qualidade desejada, tendo de se deslocar para outros municípios para receber atendimento médico ou para estudar, por exemplo. Estaria configurada, assim, uma verdadeira situação de desperdício de recursos públicos, já que a verba repassada pelo fundo de participação dos municípios não estaria revertendo em vantagens reais para os moradores tornando as extinções uma medida racional de contenção de gastos que estariam sendo subutilizados.
Não pretendo entrar, aqui, no mérito dos argumentos de ordem econômica apresentados pelo Tribunal de Contas do Paraná. Não sou economista e tampouco tenho pleno conhecimento dos indicadores sócio-econômicos dos municípios que se pretende extinguir, únicos dados capazes de permitir a visualização da real situação de suas administrações. Do mesmo modo, também não pretendo analisar o argumento contrário apresentado pelos prefeitos que podem vir a ser atingidos pela medida, todas versando sobre a conveniência de se manter uma administração mais próxima da população – ainda que deficitária – e sobre os problemas relacionados à subordinação destes municípios a outros que, muitas vezes, também não se encontram em situação financeira muito favorável e teriam que passar a arcar com custos, ainda maiores referentes aos territórios e populações que seriam anexados, sem receber, em contrapartida, um aumento na arrecadação capaz de fazer face às novas obrigações e nem, tampouco, um acréscimo no repasse do fundo de participação dos municípios. Minha opinião curta e baseada em minha ignorância sobre o assunto tende a ir no sentido de achar a proposta muito boa na teoria, uma vez que entre todos os investimentos que podem ser cortados pelo poder público aqueles relacionados à máquina burocrática devem ser os escolhidos em primeiro lugar. Por outro lado, conhecedor de como se faz política neste país e de como se administram mal as necessidades da população mais necessitada, não consigo deixar de pensar que se trata de mais uma daquelas decisões muito bem-intencionadas que acabam sendo destruídas em sua aplicação. Se a anexação destes municípios a outros maiores não vier acompanhada de um maior repasse de recursos por parte do governo federal a estes, então estaremos diante de uma catástrofe financeira que certamente causará muito mais males do que bem. Isto ocorrendo, penso que fica bastante difícil apoiar a concretização desta proposta.
Como historiador penso, contudo, que há uma questão não menos importante que, parece, está sendo completamente ignorada pelos envolvidos nesta questão, ainda que mereça uma análise mais detida por parte de todos. Trata-se do problema da identidade política e cultural dos moradores dos municípios atingidos. Como se sentiriam os moradores de Porto Vitória caso sua cidade fosse anexada, à base de uma canetada, à União da Vitória? Pode parecer um elemento sem importância à primeira vista, mas basta nos lembrarmos do sentimento arraigado em nossas cidades para perceber que não se trata de algo tão simples. Por mais que eu ainda não consiga enxergar, como bom “estrangeiro” que sou, União da Vitória e Porto União como “entidades” separadas, aglomeração urbana única que são, com uma história compartilhada, identidades absolutamente convergentes e problemas em comum, continuo sendo lembrado cotidianamente pelos meus novos vizinhos e amigos de que o Instituto Federal, em São Cristóvão, é “longe” da Cidade Nova, onde moro, e que “o que vale lá embaixo não vale aqui em cima”. Ora, isto nada mais é que a expressão de identidades construídas ao longo de décadas de convivência nem sempre harmônica, com a qual todos tem que se entender diariamente caso queira viver aqui. Como inserir, neste contexto já complexo, os moradores de Porto Vitória? Como seriam recebidos na nova comunidade municipal? Como se sentiriam enquanto parte de uma nova entidade político-administrativa? Penso que estas são questões centrais que merecem o mais detido exame, e que ainda não vi sendo abordadas pelos debatedores desta importante proposta formulada em Curitiba.
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