Quando Segurasponta descobriu que dois são quatro
(Belodia de novembro) – Quem é a gostosa? – Reportada por ele. Eu notei de surpresa que: não sabendo descrever bem, bastava indicar de soslaio. Tudo começou de quatro a cinco anos atrás. Segurasponta costumava ir ao guru, porque teve também um, não, vários. Curioso que não ia perguntar mas responder, chegava lá e dizia ó eloquente Nim, a resposta é quatro. E saía sob o manso olhar semicerrado de Nim que nada dizia. Então na outra semana Segurasponta retornava convicto: é dois, e grandiloquente Nim apenas olhava sereno. Foi descendo um dia a duplescada que encontrou Belodia de novembro, sempre sorridente, homem alegre de bons modos, pouco atrevido a binarismos, vestido de branco, bigode fino. Belodia de novembro reportando-se então, pergunta, e Segurasponta como já havia aprendido com o guru apenas silencia. O eloquente Nim era curioso em muitos aspectos, às vezes ele era preciso, como por exemplo ao ser questionado em uma ocasião por Segurasponta, ainda na juventude, sobre o que as pessoas queriam na vida só disse: putaria. Segurasponta saiu de lá com essa resposta entre os braços, como tivesse feito uma descoberta centenária, como se carregasse consigo uma verdade milenar. Chegava na padaria, o que o senhor deseja? E ele tinha que frear a língua toda vez, tal foi a impressão que aquela resposta tinha causado. Desgastou, contudo, de modo que com o tempo já não podia estendê-la a todas as situações possíveis, então volta mais uma vez ao guru: tão somente isso ó eloquente Nim? Nã, responde Nim. E o que mais então? Replica Segurasponta. Ficar louco. Responde o guru. De tal maneira que a Segurasponta parecia bastante sensato. Noutras vezes era mais maiêutico, vezes em que Segurasponta começaria então desenvolver sua nova estratégia, responder antes da pergunta. Alguns entendimentos afirmam, inclusive, que foi nesse passo que Segurasponta começou suas entortações, série de movimentos lógicos que deflagraram suas concepções espaciais e culminaram na entortação diária de si, um tipo de doutrina criada por ele e praticada religiosa-profanamente sem qualquer tipo de parcimônia. Então Belodia de novembro diante desse semi entortamento de ombros apenas sorri cavalheiresco, desconfiando com tamanha certeza que ao calar-se assim era evidente que Segurasponta conhecia bem a tal gostosa, de maneira a não deixar transparecer qualquer informação que facilitasse a vida de Belodia de novembro no que concerne a certeira aproximação que ele faria, caso estivesse munido de uma única informação correta, por exemplo, ela é filha de Tavares, o banqueiro, ora, em posse disso Belodia de novembro precisaria apenas levar seus cumprimentos ao pai dela, ou então, ela estuda filosofia, e ele então seria lógico e severo na corte, ao mesmo tempo que transpareceria não ligar para isso, ou se ela fosse uma patricinha muito assediada, ele faria notar seu desprezo por ela, de modo a instigar algum interesse em sua desinteressada pessoa. Mas Segurasponta realmente não sabia nada a respeito, absorto que estava em sua questão, dois ou quatro? que não podia de nenhuma maneira arrematar à pergunta. Foi então ao ouvir Belodia de novembro indagar-lhe, que ao espírito sugere a fundante pergunta, quem? Ao que Segurasponta se assegura que ao quem só poderia ligar-se um sinal, que ele identifica a um A. Em consequência haveria então não-A. Ora, tinha diante de si o dois. Um aqui e outro ali. Mas num passe de entortação que praticava obscenamente inverte de lugar o A e o não-A, de modo que nesse passe obtém o quatro. A aqui e A ali: dois. Não-A aqui e não-A ali quatro. Dois é quatro. Ao proferir essas palavras é surpreendido por um olhar tão ridiculamente atônito que só pode disfarçar a Belodia de novembro, anuindo com a cabeça enquanto entorta os ombros.
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