Real____ Linguagem
A linguagem não constitui somente uma ferramenta pela qual construímos operações, capazes de reversão, em alguns casos. Ela estrutura a realidade (não o real) de modo que todas as categorias, do cardinal ao ordinal, da nomeação ao reconhecimento, são perpassadas pela imagem e pela nomeação. Ela oferece à comunicação a comunidade, e encontramos a mais antiga raiz disso na função totêmica cujo símbolo representa a unificação de um grupo. Mas nada é tudo. Há quem defenda que o real, diferentemente da realidade, seja justamente o impossível de formalizar, matematicamente, e assim, encontramos nesse impossível os limites da própria estrutura, e por conseguinte, a função que a repetição desempenha, como insistência do real: repetição atualizada. Este além da linguagem não é somente intuído, – embora a categoria do real seja uma necessidade lógica sem a qual o simbólico não se sustentaria, pois, seria um sistema completo e dessa forma, de fato, as correspondências seriam perfeitamente simétricas, o que levaria a sua fixidez (obviamente este não é caso da linguagem humana) – o equívoco, o suporte da língua, uma vez eliminado, como numa linguagem artificial, entravaria o sistema de modo a tornar todas as sentenças passíveis de interpretação já dada, etc. Como se nota, a dimensão do equívoco é a que, em termos simbólicos, melhor expressa as limitações do próprio simbólico, pelo inverso, porque paradoxalmente, não há linguagem sem equívoco. As experiências que revelam o real são muitas. A suspensão do sistema simbólico, que a alucinação fornece, é uma delas. No pânico, por exemplo, a ordem fálica (o que estrutura o sentido) desaba, e junto com ela a pretensa identidade do sujeito. A isso soma-se a sensação de desaparecer, ficar louco, etc. É a reação fisiológica que assusta, porque as categorias foram suspensas. O delírio, contudo, é uma tentativa de restabelecer o sentido. Algumas substâncias também fornecem esta experiência, no entanto, de outro modo. O lsd, os cogumelos, a ayahuasca, entre outras, atingem um nível de percepção onde a linguagem usual parece perder sua função privilegiada, e outras formas de comunicação se mostram possíveis. Nestes estados são comuns relatos de comunicação através do pensamento. Também são comuns experiências de dissolução do ego. Elas são muito próximas daquelas que acontecem no pânico, por exemplo, mas a questão é que nesse contexto induzido a experiência é agradável (em geral) enquanto nos sintomas psíquicos é sentida de modo devastador. Isto não significa que, nos estados induzidos também não ocorram reações adversas. O que se revela, em ambos, é uma verdade: a ilusão da identidade da corporeidade egoica do eu, e portanto, do nível material da linguagem, mostrando ao sujeito uma dimensão que parece sempre ficar de fora do aparato linguístico: o verbo ser ainda guarda muita ambiguidade para expressar. Por não haver um suporte material capaz de prendê-lo, a não ser a linguagem, é que a sua artificialidade, por assim dizer, é despida, suspensa, e a dimensão do real se apresenta como uma experiência imediata. Mas há diferenças gritantes no modo de experienciar o que talvez seja um mesmo acesso a esta dimensão, nos sintomas de ordem psíquica, e em experiências extraordinárias. É que nos sintomas ela quase sempre vem acompanhada da certeza do vazio, “nada é mais real que nada”, confundindo-se com o eu e assim, com seu luto (inibido), já nas experiências psicoativas a suspensão da linguagem usual em favor de uma percepção sensorial bastante aumentada leva, em geral, à sensação de pertencimento ao cosmos, à certeza da presença de Deus, à conexão com a natureza. De um lado há um desejo de retornar ao eu, à imagem e sua representação, acompanhada do temor de perder-se, de outro, ao contrário, o desejo de retornar ao eu e à materialidade da linguagem não tem prevalência, em vista do desejo de permanecer naquele estado de imersão.
Psicólogo clínico, especialista em Teoria Psicanalítica e em Neuropsicologia. Atende em Caçador e União da Vitória. giuliano.metelski@gmail.com – WhatsApp: (49) 99825-4100 / (42) 99967-1557.
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