Reminiscências políticas
Era o final da década de 1950, mês de junho. A esse tempo o ensino brasileiro era dividido em várias etapas: o primário, o ginasial, o científico, o magistério, a contabilidade e o clássico. Para ascender o aluno do curso primário ao ginasial era necessário prestar exame de admissão. Após os cursos de segundo grau, científico, clássico, magistério, contabilidade, para cursar os de ensino superior, os alunos necessariamente deveriam prestar o temido vestibular. Não estou certo se foi o primeiro estabelecimento a oferecer curso superior de nossa região, a FAFI – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, foi fundada em 1956.
Nos idos dos anos de 1958/1959 estava cursando o científico noturno porque trabalhava durante o dia. As aulas iniciavam às 19h e encerravam às 23h, de segunda a sexta-feira. O Colégio Estadual Túlio de França era o único que oferecia os cursos científico e clássico que possibilitavam prestar vestibular para o ingresso nos cursos superiores de engenharia, medicina, direito, odontologia, medicina veterinária, agronomia.
Lembro que o Colégio Túlio de França havia poucos anos anteriores mudado da Praça Coronel Amazonas para o atual endereço na avenida Interventor Manoel Ribas. Nessa época a avenida não era totalmente calçada, esse alcançava às proximidades da rua transversal Senador Salgado Filho, não mais. Os passeios públicos se estendiam pouco mais além, quem sabe até próximos à avenida Bento Munhoz da Rocha Netto. Os problemas surgiam em época de chuva e eram muitos.
Naqueles anos havia grupos de jovens que eram politizados e debatiam frequentemente sistemas de governo, esquerda, direita; Friedrich Engels, Karl Marx, Mao Tsé Tung. Era assunto freqüente o governo Juscelino Kubitschek de Oliveira, implantação da indústria no Brasil, a criação de Brasília, o significado, a crescente inflação, “crescer 50 anos em cinco”. Comentava-se a Vice-Presidência da República, João Goulart, político egresso das plagas gaúchas, declaradamente político com tendência socialista.
Os debates políticos eram acirrados. Alguns defendiam a política da defesa dos direitos do homem pelo homem, outros do bem comum e a maioria do capital. Vigia na época como ainda hoje, terror implantado pela propaganda norte americana, medo à possível implantação de sistema político de esquerda, divulgado pela Igreja Católica. Não era incomum nos sermões dominicais a pregação aos “horrores” praticados pelo comunismo, nenhum ao capitalismo.
No término das aulas noturnas, grupo de alunos tinha por hábito reunir-se no “Bar do Português” situado na Avenida Manoel Ribas, esquina com a rua João Gualberto. Lá, enquanto praticavam jogo de letras assemelhado às palavras cruzadas, hoje quedado no esquecimento, discutiam política acaloradamente, cada um defendendo o seu entendimento, quer da direita, quer da esquerda, todos imbuídos na certeza de defender os interesses da população, pretendo o melhor para a sociedade.
Era também objeto de discussão o sistema de governo; democrático ou totalitário; presidencialismo ou parlamentarismo; eletivo ou indicado por representantes; infinidade de outras teorias. O importante era a politização dos contendores, fato que hoje não ocorre, grande parte inclusive da classe estudantil está alienada à política sob o pálio que “não gosta de política”.
Início da década de 1960. Era tempo pré-eleitoral. Surgia então o candidato salvador da Pátria. Com a promessa de acabar com a corrupção e com a inflação, despontava inflamando a população o candidato Jânio Quadros, esgrimindo em discursos inflamados o símbolo, “uma vassoura de palha” que serviria para varrer os corruptos, o jogo, a imoralidade, etc. Era candidato à Vice-Presidência o emérito João Goulart (alcunhado de Jango) que juntos faziam a dupla Jan-Jan, ambos vencedores do pleito (naqueles tempos o candidato a Vice-Presidente era eleito pelo voto).
Jânio Quadros e Jango assumiram o governo brasileiro em janeiro de 1961, se não me falha a memória. Jânio, imediatamente, decretou a proibição do uso de biquíni nas praias, as rinhas de galos e os jogos de azar, inclusive do jogo-do-bicho. Foi uma decepção: provavelmente deixou o então novel Presidente a “vassoura” encostada atrás da porta. Permaneceu no cargo cerca sete meses e, numa tentativa frustrada de golpe, renunciou ao cargo que havia sido eleito, possibilitando à assunção ao cargo presidencial ao Vice-Presidente, o venerável João Goulart.
João Goulart que ao tempo se encontrava em viagem à China, país comunista governado por Mao Tsé Tung, tido como simpatizante da esquerda, era indesejado na Presidência em face do temor da direita capitalista. Houve a movimentação política e militar nacional para impedir a assunção ao cargo. Essa movimentação desencadeou no país o movimento patriota pela “Legalidade”: Jango deveria assumir o cargo, pois era legalmente o Vice-Presidente em face da renúncia do Presidente. Muitos foram os desagradados, inclusive os norte-americanos, financiadores de eventos futuros.
A renúncia de Jânio, a assunção à Presidência de Jango, gerou toda a sorte de movimentações político-partidárias, greves de todas as classes sociais, reivindicações das mais variadas. Movimentava-se então a poderosa classe ferroviária que, comparáveis hoje a dos caminhoneiros, capaz de “parar o país”, hoje quase extinta por interesses inomináveis.
Os fatos que ocorriam até estimulados pela direita, possibilitaram o golpe de 01/04/64 (31/03/64), que durou mais de duas décadas, dizimando as lideranças políticas do país, fortaleceu a direita em detrimento da esquerda, permaneceu no esquecimento a “vassoura” de Jânio atrás da porta. A corrupção continuou em todos os tempos grassando por todo país. Será que há daqueles tempos semelhanças com os de hoje? Tristes reminiscências.
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