Saudade
Ano XII – Dezembro/1966 – Número 155
Que a saudade machuca o coração da gente, lá isso e ninguém pode negar. Não adianta fazer-se de forte e de valente e até de insensível aparentar frieza e indiferença; no fundo a gente sabe que saudade magoa, fere principalmente essa saudade que nasce de episódios meio diluídos no tempo e no espaço.
Entretanto, nunca poderá saber o que é esse sentimento aquela pessoa que nunca sentiu saudade. Sim senhores, existem pessoas que nunca sentiram “esse mal estar que se bendiz”, pessoas que nunca sentiram saudade de ninguém. Primeiramente, porque acham que as pessoas que sentem saudade são fracas e segundo, que somente os velhos podem e devem sentir saudade.
Quanta coisa bela e boa nos deixa no coração essa saudade. Um sorriso de ternura recebido de uma criança inocente. Retalhos de uma serenata, feita em noite de lua. Uma palavra boa e confortadora dita no instante exato em que a gente mais precisava no momento único em que essa palavra poderia ter tanta importância e tanta seriedade, capaz quase de mudar uma vida.
Saudade dos nossos entes queridos que se foram para não mais voltar. Saudade de sua companhia, de sua voz amiga e de sua presença orientadora e segura, saudade de um pai, de um irmão. Nossa vida, amiga, é uma cortina feita de saudade; não da grande saudade ou de uma grande saudade, definitiva, linear e compacta, saudade de uma só pessoa, mas a sequência de saudades maiúsculas que vão sendo distribuídas ao longo da existência. Saudade de uma infância feliz e despreocupada. Saudade das noites de São João, quando os balões acendiam seus olhos imensos contra o fundo negro da noite fria. Saudade grande de um pai que partiu e que não voltará jamais. Saudade sincera e superlativa saudade, de amigos que nos cobriam com o manto morno da sua amizade confortadora. Saudade de olhar na profundeza do olhar da pessoa amiga, saudade de um olhar compreensivo, de uns olhos repousados e mansos olhos abismais e misteriosos olhos sem óculos escuros nem lentes de contacto, que se derramou sobre nossa alma e que nos cobriu com o agasalho do seu afeto.
Saudade, superlativa saudade. Saudade, indefinida da saudade, com endereço certo. Nesta segunda-feira, acho que me perdi em mil frustrações, em mil frustradas tentativas de recompor cenas e personagens da minha saudade. Sempre que quero, consigo reeditar todas elas. Principalmente esta saudade atual que fere e aperta meu coração. Sempre posso revivê-la com a força da sua originalidade inaugural. E sempre sonho de olhos abertos sentindo que a saudade vem até mim com aquela pureza que tem, antes de ter sido saudade.
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