Seu Abóbora & Zé do Povo
René Augusto (In memoriam)
Em Primeira Mão
XXI – Setembro/1974
Edição nº 352
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – em consonância com a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – lança uma pesquisa que vai tentar verificar o “modus vivendi” da comunidade.
O curso em nossa região será realizado para suprir – se não nos enganamos – 100 vagas. O agente de coleta – esse o nome do distinto ou distinta – irá de casa por casa indagar o que se come, o que se bebe, o que veste, o que usa como mobília, o quanto se gasta, o que se gasta, o que se ganha, o que se pensa etc. etc.
Teme-se que essa inquirição oficializada seja mais uma dessas pesquisas que visam unicamente distribuir empregos. No final, repetimos – teme-se que haja um relatório sobre o nosso “modus vivendi” com uma sinistra realidade. Por exemplo: na residência do “seu” Abóbora, come-se caviar, frutas frescas, glacê, pão-de-ló, gelatina, bebe-se vinho Chateau Mont-Claire e Chival Regal. Vê-se TV em cores, e dorme-se em luxuosas camas. Duas garagens abrigam um Galáxie e um Dodge Dart e ainda de quebra um SP2 para os meninos.
Na residência – retifico – na moradia do Zé do povo, o agente de coleta vai ficar sabendo que ali o chefe sai cedo para o batente sem o café e sem o pão. O salário mínimo não dá pra esse luxo. Que ali se come no almoço, “abobrinha” com farinha e um pedaço de linguiça dessa que vem sem nota fiscal e sem fiscalização da higiene: mais barata. Vai o distinto agente de coleta ficar sabendo que ali na casa do Zé do povo, a criança não tem o leite necessário. Que o Zé do povo fuma o pior cigarro que existe e bebe quando está de aniversário, a pior cachaça da praça. Vai ficar sabendo que a família do Zé do povo com oito ou dez filhos (não tem televisão) – possui de luxo, um fogão a gás e um radiozinho de pilha, comprados nos crediários, camaradas, da Comercial Bandeirante, Willy Reich, Unterstell ou Hermes Macedo. Essa a triste realidade a que vai chegar a pesquisa do IBGE. E qual será a solução para esse “status”? Melhorará a exportação da madeira? Ou a gasolina não terá novos aumentos? Uma coisa, porém é certa: A Regina Duarte está recebendo um cachê que não está em nenhuma lista telefônica…
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