Sobre impeachment e democracia
Treze anos passados, e eis que uma palavrinha de pronúncia difícil e escrita quase impossível volta à moda nos noticiários políticos brasileiros: impeachment (espero ter escrito corretamente, embora não tenha certeza disso!). Derivada do latim, refere-se, no moderno sistema político brasileiro, ao processo de impedimento conduzido pelo Poder Legislativo em suas várias esferas contra o ocupante de cargos executivos em qualquer nível, desde prefeito até presidente da República, passando por governador e ministros de Estado. Juntamente com a abertura deste processo, que pode ser requerido por qualquer cidadão munido das necessárias provas que embasem o requerimento, obviamente ganha ainda maior força em todo país um já intenso processo de radicalização das posições político-partidárias. E com isso começam a surgir, de todos os lados, colocações e ideias equivocadas que, convém, sejam devidamente esclarecidas para que o processo seja conduzido como deve e acompanhado por uma população municiada com as devidas – e corretas – informações.
Em primeiro lugar, é preciso afirmar que processo de impeachment não é sinônimo de golpe de Estado. Muito pelo contrário. É próprio de regimes democráticos fazer uso desta que nada mais é que uma ferramenta destinada a proteger a sociedade de abusos graves que podem ser cometidos por quem ocupa cargos de execução na governança pública. Deste modo, considera-se que o primeiro processo de impedimento (palavra bem mais simples, não?) bem-sucedido da história tenha ocorrido na Inglaterra, na segunda metade do século XIV, dirigido contra um nobre por demais cioso dos próprios interesses e por demais relapso com os interesses do condado que representava. Séculos mais tarde, nos Estados Unidos, o presidente Andrew Johnson foi destituído do cargo após um longo processo que, encerrado em 1868, o considerou culpado de violar uma das principais leis da nação.
O caso para nós mais conhecido, contudo, é o processo de impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que optou pela renúncia ao perceber que seria destituído do cargo, em 1992. Contra ele pesavam acusações de corrupção para enriquecimento ilícito, sendo o emblemático caso dos “jardins da Casa da Dinda” utilizado como principal bandeira de um movimento que rapidamente ganhou as ruas e elevou os “caras-pintadas” ao status de síntese de uma época. Portanto, tão democrático quanto a eleição de um governante é a abertura de um processo que tenha por finalidade seu impedimento. Desde que haja razões para isso.
E, aqui, cumpre esclarecer um segundo mal-entendido muito comum nos dias que correm, este vindo do lado contrário no espectro político do país: mau governo não constitui motivo para impeachment. Tampouco o tão repetido “estelionato eleitoral”, “crime” que, se ganhou projeção na imprensa e nas redes sociais, não possui qualquer existência real nos códigos de leis brasileiros. Existem, basicamente, oito razões pelas quais um chefe do Poder Executivo pode sofrer processo de impedimento: quando ele atenta contra a existência da União (ou seja, do Estado brasileiro); contra o livre exercício dos demais poderes (Legislativo, Judiciário e demais poderes constitucionais); contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; contra a segurança interna do país; contra a probidade administrativa; contra a lei orçamentária; contra a guarda e o legal emprego do dinheiro público (corrupção); e contra o cumprimento de decisões judiciais. Ou seja, ou se apresenta provas de que o político em questão cometeu algum desses oito atos (e aqui conseguimos entender várias das notícias apresentadas em nossas televisões, computadores e jornais todos os dias), ou não há qualquer base legal para a abertura de um processo de impeachment.
O momento é definidor. Das alianças e negociações que estão sendo costuradas em Brasília neste exato momento dependem o futuro imediato do país e, obviamente, o nosso próprio. Claro que podemos e devemos fazer parte deste processo, cada um defendendo seu ponto de vista mas com o imprescindível respeito ao outro, à opinião diferente. É isso que constrói e fortalece um sistema democrático, comprovadamente o melhor existente hoje em dia. É preciso que todos compreendam que ninguém, por mais iluminado que se imagine, pode pretender ditar a quem quer que seja, para além de si mesmo, regras de conduta de qualquer espécie. Todas as vezes em que, neste ou em qualquer outro país, sistemas que admitem este tipo de governo foram introduzidos, os resultados foram desastrosos. É o que nos ensinam nossos erros já passados. Os quais, espero sinceramente, nunca mais voltem a ser cometidos neste ou em qualquer outro lugar.
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