Sobre mulheres e violência relacional
É março e neste mês comemoramos, se é que esta é uma boa palavra… o Dia Internacional da Mulher. Esta data celebra muitas conquistas femininas ao longo dos últimos séculos, mas também serve como um alerta sobre os graves problemas de desigualdade e violência que continuam a acontecer no mundo todo.
A importância desta data se deve à necessidade de pararmos para pensar, denunciar e agir (não só nesta data) quanto à desigualdade e a forma como as mulheres são tratadas e se deixam tratar. Em nível familiar, social, institucional, laboral em todas as culturas. Desde as mais sutis discriminações até as mais brutais e recorrentes formas de violência, todos sabemos o que acontece cotidianamente na vida de muitas e muitas mulheres.
Muitas são as necessidades de continuarmos neste debate e muitos são os ângulos e perspectivas sob os quais esta temática pode ser abordada, mas o foco deste texto será direcionado para os relacionamentos próximos, como o intrafamiliar, namoro, casamento, relações de trabalho.
A dinâmica de uma relação humana na qual existe desrespeito e violência de todos os níveis remete a um aspecto de complementaridade em que, de um lado há o agressor e de outro a vítima. Aquele, sem recursos e maturidade emocional para relacionar-se saudavelmente e esta, também sem recursos congruentes que repudiem tratamento desrespeitoso. A agressão, abuso, desrespeito se estabelecem a partir de atitudes de descaso, que se iniciam, frequentemente, com tom de voz alto e/ou sarcástico, a princípio. Havendo receptividade da vítima, ou seja, havendo resposta sem questionamento a um tratamento chulo ou agressivo, vai sendo dado espaço para que o agressor sinta-se cada vez mais autorizado a continuar sua escalada de violência relacional: depois do grito, um empurrão, mais gritos, ataques físicos “leves” a princípio, que vão tornando-se mais frequentes até chegar à flagrante agressão física. Tal situação nem sempre é percebida como violência e é exatamente esta não percepção que cria o contexto de violência.
Em recente encontro para debater este assunto, realizado pela Universidade do Contestado, envolvendo todos os campi em mesa redonda, participaram acadêmicos, professores de Psicologia, Direito e convidados de outras instituições. Nesta reflexão percebeu-se a necessidade de explorar questões como a percepção do que é a violência. Muitos a entendem como agressão física apenas, mas antes de chegar a este ponto, muitos sinais e eventos preditivos já estão em curso. No dia a dia, por meio de atos “menores” de desrespeito, menosprezo, descaso, a banalização de tratamento indelicado e grosseiro, a violência vem se configurando, passando a fazer parte da relação, mas nem sempre percebidos, situação que constitui terreno fértil para crescente desrespeito que autoriza o ataque físico. Nos relacionamentos próximos encontramos o ato desrespeitoso de um lado e a permissão para este, de outro lado. Assim, se alguém, seja, filho/a, irmã/o, marido/esposa, colega grita ou trata o outro com desrespeito, temos o agressor, mas de outro lado temos a pessoa que responde a este tratamento com medo, submissão ou no mesmo nível de agressão, estabelecendo a complementariedade. A convivência com estas formas de tratamento não parecem perigosas ou nocivas em si, a curto prazo, mas quando nenhuma das partes se posiciona e reflete (percebe?) sobre como está tratando/se permitindo ser tratada/o, o crescendo da violência vai ganhando espaço. Por isso é necessário a reflexão sobre… o que é violência? É somente a física? Não. Há a psicológica, tão ou mais danosa que a física, que envolve tratamento discriminativo, abusivo, desigual, como veremos a seguir. Necessário se faz observar cada um dos itens abordados, como forma de auto percepção e percepção do espaço psicológico e físico cedido ao outro antes que as estatísticas, as alarmantes e crescentes estatísticas aumentem.
Especificamente em relação às relações conjugais, os sinais de violência no relacionamento podem ser identificados observando as seguintes questões: ele constantemente humilha e embaraça com comentários, sarcasmos e risos a mulher, colocando-a “para baixo”? Se recusa a conversar, quanto a problemas no relacionamento, indícios de infidelidade? Ignora ou exclui a parceira, flertando com outras mulheres em sua presença? Muito comum é a inveja irracional que desqualifica as conquistas da esposa/namorada, como também proibição de programas em nível individual, reuniões de trabalho, encontro com amigas e busca por cuidados pessoais, como cabeleireira, manicure?A isola de amigos, familiares, criticando-os, dizendo que ama e só a quer para si? Tenta parecer que gosta que ela saia com os amigos, mas quando chega em casa, ele está de mau-humor ou a critica? Mau-humor quando estão em casa e sozinhos? Ameaça com: “se você não fizer tal coisa, me dará o direito de não fazer também ou procurar outra mulher que faça, por exemplo? O afeto inicial diminuiu ao ponto de quase não existir mais, sem que haja conversa a respeito? Culpabiliza a parceira por coisas tanto pequenas quanto maiores, como: “deixei aquele copo sujo na pia, por que você sempre me distrai do que é importante”? “Eu traí porque você não me dá atenção e não me satisfaz? Usa o dinheiro para controlar? Liga ou manda mensagens constantemente quando a parceira não está com ele? Ameaça cometer suicídio se ela terminar?
A lista lembra um checklist ou perguntas de manual, mas estes são indícios que precisam ser percebidos a tempo para que a escalada da violência não chegue à infelicidade, ao mau exemplo aos filhos, à doença e às estatísticas. A agressão psicológica é tão ou mais prejudicial quanto a física e, sabemos, não é raro que os abusos cresçam ao ponto de chegar a atos de violência, até mesmo que ameacem a vida e a vida da família.
Abusadores são pessoas inseguras emocionalmente, mas manipulam com talento e levam a vítima a acreditar que os maus-tratos perpetrados são causados pela vítima.
Ao perceber que a resposta “sim” é dada a pelo menos quatro das questões, é importante atenção e auto observação para identificar em si sentimentos e comportamentos que reforçam no parceiro esta dinâmica relacional. Em caso de dificuldade para restabelecer/estabelecer a potência para libertar-se, é necessária a denúncia, mas sobretudo a busca por ajuda profissional, a fim de desconstruir as causas da permanência nesta situação adversa e a construir recursos de auto confiança para sair dela.
Redes de proteção social e serviços de Psicologia estão à disposição para ajudar na busca de congruência pessoal e relacional para o fortalecimento da saúde psicológica que inibe a aceitação de tratamentos abusivos.
Maris excelente artigo que retrata a permanente necessidade de nossa atitude vigilante, para que a nossa saúde relacional- emocional- física esteja preservada. Parabéns e gratidão por este artigo, guardiã, de nossa qualidade de vida.
Excelente texto! Dra. Maris, parabéns pelas relevantes contribuições apresentadas.
Exatamente assim, Maris.
Parabéns Maris Stella pelo excelente texto, claro e objetivo, que nos alerta e nos mostra qual o caminho a seguir! É de extrema importância socializar com o maior número de pessoas possíveis. Esse alerta precisa ser diário e para além das palavras! Todas as mulheres precisam perceber e orientar as outras mulheres sobre todos os tipos de violência física, psicológica, simbólica, patrimonial e sexual.
A violência relacional está tão próxima da gente, muitas vezes presenciamos, sofremos e a maioria de nós não denuncia, deixamos passar. A que se pensar (refletir) se todas nós mulheres já sofremos violência alguma vez…