Somos tricolores de coração
Dia desses, aqui mesmo, em outra crônica, escrevi que uma das primeiras palavras que aprendi a escrever, antes mesmo de entrar na escola, foi Fluminense.
Também disse que quem me ensinou a escrever, foi minha mãe, tias Lulu e Dina e meu tio René, de quem herdei a paixão pelo Fluminense. Aprendi a escrever em letra de forma, hábito que carrego até hoje, embora, atualmente, pouco escreva em papel. Primeiro porque enxergo muito pouco e segundo porque no computador, posso escurecer ao máximo a tela, o que atenua minha fotofobia, sendo que ainda posso aumentar as letras.
Mas o que queria dizer é que escrevia Fluminense e gostava de mostrar ao tio René quando ele chegava de seu trabalho no fim da tarde. Seguimos torcendo pelo Flu e aos domingos, uma vez que a televisão ainda estava na era do vídeo-tape e não transmitia jogos ao vivo, ouvindo os jogos pelo rádio.
Ouvíamos ora pela Rádio Globo, cujos narradores eram Jorge Cury e Valdir Amaral, que se revezavam, um em cada tempo, ora pela Rádio Tupi, com, Doalcei Bueno de Camargo. Depois dos jogos, que acabavam sempre por volta das 7 da noite, íamos à cozinha fazer um sanduíche com a maionese do almoço e linguiça crua. O sanduíche era fantástico e hoje ainda o faço vez por outra. A memória do paladar nos remete a remotos e inesquecíveis tempos.
Ao ouvir jogos de futebol e, principalmente, ainda muito criança, ouvir as indeléveis batucadas que tio René organizava na varanda de nossa casa, também na mítica Barão do Cerro Azul, mas, uma quadra abaixo da casa onde cresci e meus familiares moram desde meados dos anos 60, começava a me achar um homenzinho e não mais uma criança. Fato que se consolidou em meu imaginário infantil, em uma festa na casa dos pais de nosso Leocádio José Vieira, na rua 1º de Maio. As casas antigas possuíam apenas um banheiro e como lá havia um grande número de homens, o mesmo era muito disputado. Por sorte o quintal da casa era enorme e lá pelas tantas, depois de algumas muitas cervejas, eu não, claro, a cerca dos fundos passou a ser usada como mictório. Depois de uma meia dúzia de colinhas, também quis ir ao banheiro, que estava ocupado. Não podendo mais esperar, lá fui eu para a cerca ao lado de mais alguns. Senti-me um adulto completo. Pobre Dona Leandrina que, certamente, teve que jogar muito água e desinfetante em seu quintal, comprometido por uma trupe, politicamente, incorreta.
Na medida em que fui, efetivamente, deixando a infância e ingressando na pré-adolescência, aprontei algumas artes, entre as quais destelhar o galpão de uma casa que ficava no fundo de nosso campo de futebol e cujas bolas eram confiscadas pelo proprietário do terreno. Certo dia ele saiu e não pensamos duas vezes: vamos recuperar o que é nosso. Como disse, tiramos algumas telhas do tal galpão e pegamos nossas bolas, apenas elas, tendo ainda o trabalho de recolocar as telhas. O fato aconteceu em plena tarde, mas um vizinho chamou a polícia que nos encontrou em meio a uma partida de futebol em nosso campo. Vimos a velha rural parar em frente ao campo e já deduzimos que a coisa iria ficar preta. Alguns conseguiram fugir, outros não.
Como eu morava quase em frente ao campo, fui um dos que escapou, mas já no jardim de minha casa, decidi voltar e não deixar aqueles que não conseguiram fugir sozinhos, os irmãos Paulo e Zinho Murara e Nelson Martins. Quando estava voltando pedi a um outro menino, Gilmar Preiszler, o Gima, que fosse até a Delegacia da Fazenda e avisasse meu tio do acontecido. Tranquilizei meus amigos e disse que logo sairíamos da cadeia, uma vez que tio René era amigo do delegado e que as bolas eram nossas, portanto quem tinha que ser preso não era nós, e, sim o dono do terreno que já havia retirado uma tela de alambrado, que colocamos em cima de cerca divisória para impedir que as bolas caíssem em seu terreno.
Arrancou nossa tela e teve a pachorra de usá-la para construir um viveiro. Resumo da ópera, que pra mós não foi trágica, mas bufa, fomos, rapidamente, liberados pelo delegado que era mesmo amigo do tio René. De quebra, saímos ainda com as bolas. Só não recuperamos a tela, reavida mais tarde por outras vias. Com uns 15 anos de idade, percebia que muito mais que um tio, que também era um pouco pai, um pouco irmão, tinha um grande amigo.
Tomamos muitas cervejas, acompanhadas de muitos bolinhos de carne, rolmops e outras iguarias botecárias, juntos, em determinados momentos, de outra grande figura, Lamartine Augusto, meu outro tio, que nos deixou em 1997 e era excelente companhia, só tinha um defeito, era flamenguista. Nos últimos anos em que fomos assíduos freqüentadores da vida de boteco, Leocádio Vieira, o popular Cadinho, que menciono anteriormente, também era companhia indispensável. Muitas histórias do mundo da política, dos esportes, da música, temperavam nossas incursões aos mais célebres botecos da cidade, como Bar do Lucas, Bar do Manduca, Zézito, Bar Coroa entre outros e onde cruzávamos com pitorescos personagens, os quais acabariam protagonizando inspirados artigos da coluna Em Primeira Mão, assinada por nosso René.
De pena muitas vezes ferina, René colheu algumas inimizades, quês todas por divergências ideológicas, que o tempo amainou e muitos dos então detratores, hoje são seus amigos. Mas, muito mais que divergências ele amealhou grande número de admiradores, entre os quais me incluo e me orgulho de de tê-lo como um de meus mais Caros Amigos. Vida longa.
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