Topos do dito e dizer
Há, ao longo do tempo, muitas hipóteses concernentes ao sofrimento, às doenças. Desde a antiguidade se acreditou que forças divinas operariam em desfavor dos sujeitos ou coletivos. Ou então que espíritos causariam males. A medicina de Hipócrates explicava as doenças pela desregulação de fluídos corporais. Na idade média se perfurava a cabeça das pessoas para que esses fluídos evaporassem. Gall, notável neurologista, mapeou o cérebro conforme os contornos do crânio, atribuindo qualidades conforme o formato da cabeça. A lobotomia foi um método premiado (e irreversível) no século XX. Os fármacos sempre tiveram papel importante nos tratamentos, e os tratamentos sempre se relacionaram às teorias. Quando se descobriu que pequenos organismos poderiam causar doenças a medicina mudou. As bactérias passaram a ser combatidas e a explicação de tais doenças teve de se adaptar. Quando Pinel ordenou que libertassem dos ferros os loucos, ele próprio passou por louco. Estudar a anatomia na época de Descartes era um crime. N’O anatomista de Federico Andahazi conhecemos um método de cura de um pajé: ao longo de uma viagem de navio, um sujeito que estava passando mal finalmente vomita, o pajé joga uma barata morta em seu vômito sem que ele perceba. Ele se cura. O placebo é constante do método. O DSM V conseguiu ampliar a quantidade de transtornos mentais. Há fármacos recomendados pra quase qualquer tipo de sofrimento. Todos os chamados transtornos mentais atuais recebem uma explicação química/cerebral. A teoria cria o tratamento. O sujeito deseja parar de usar drogas e procura ajuda. Ele recebe drogas para tratar-se do uso de drogas. Tal tratamento só é possível no interior de um discurso que afirma que todos, ou quase todos os desajustes, as disfunções, enfim, aquilo que estaria fora de prumo, é efeito de um desequilíbrio neuroquímico. O sujeito está deprimido: desequilíbrio químico. Ele está ansioso: desequilíbrio químico. Tem medo de barata: desequilíbrio químico. Medo de falar em público: desequilíbrio químico. Viciado em celular: desequilíbrio químico. Mija na cama. Aí não. Sabe por que? Por não haver medicamento específico. Então a orientação discursiva clássica sem saber onde situar esse problema, decreta: é psicológico. Cria-se dentro do discurso que nega uma existência fora da mecânica neural um paradoxo que afirma haver ali algo que não está ali. Neste ponto o otimismo típico diz: não sabemos, ainda. Todo o peso da resposta recai nesse advérbio poderoso. Faz sentido. A mais impecável das teorias biológicas não é capaz de nos fornecer o elo do homem ao macaco, ainda. O que se constrói, nesse ponto incógnito, de um modo bastante sofisticado? Um totem. Todos nós, família humana, descendemos de um ancestral comum. O totem da pequena tribo elevado à categoria do universal. Toda a coerência do discurso científico só o confirma com achados posteriores. Veja o cóccix, subtração do rabo, etc. A lógica do discurso só pode operar a partir de suas premissas. Só que, duas premissas falsas, implicam numa verdadeira. Eu sou ansioso, meu cérebro é fraco. Verdadeiro. Logo, onde estará a causa? Vejamos. Precisamos de um lugar. É imperativo. Então nas moléculas, que assim seja. Quando Ferenczi procurou por análise, depois de percorrer a maratona médica, Freud teria dito: eles procuraram em você?
Psicólogo clínico, especialista em Teoria Psicanalítica e em Neuropsicologia. Atende em Caçador e União da Vitória. giuliano.metelski@gmail.com
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