Umpiteman
Umpiteman suave senta à mesa. Maldição. Não atende. Ainda teria ele mocadinho à gaveta uma salvação naquela noite. Ele abre sua distração. Bom dia Umpiteman. Nenquê diz: pau nas feministas. Cadeia em maconheiro. Tortura em esquerdopatas. Ditadura. Militar. Armar os justos. Reduzir maioridade, matar bandido, virtuar a família, não houve golpe, não houve ditadura, não houve tortura, não houve estupro, não houve Auschwitz. Não! Maconheiro não! Maconheiro é da paz. Agora o resto, que prendam. O umbigo pisca. Ele sorri. Fecha um. Lá fora um frio. Aquele frio quebrando, trincando. Nenhuma ave no céu nem sol. Pela vidraça embaçada se via apenas o frio que o separava pela vidraça de sua visão. Ali dentro nada se via. Cadeia deve ser assim. Você lá fora não vê o que se passa lá dentro. Todo dia a mesma coisa. Gente se rebelando, fazendo acordos, trocando coisas, se espancando. Aqui desse lado um assassino, matou duas crianças depois de matar a mãe. Desse outro um estelionatário, gente leve, mas não dê bobeira. Ali, no canto, nem olhe muito, quase nem fala, deixe-o na dele. Tem esses dois que parecem gostar daqui. E depois? Um lindo belo dia de sol regado à cerveja na piscina, churrasco, mulherada, alegria. Lá fora. Esse frio e esse cara que não atende. Levanta-se da cadeira e segue até a gaveta. De dentro dela se via sua estúpida cara morta abrir lentamente a boca num prolongado ahhh. Enquadrado naquela pequena cena atrás de si o espelho realçava a careca, a luz inexplicavelmente acesa, o monte de lixo à mesa, o computador ligado, suas roupas fedidas no chão, o cinzeiro vazio, cortinas manchadas pelo tempo, do lado da mesa um cabideiro contendo a camisa da seleção, a tevê ligada a todo volume, um punhado de livros abandonados nunca lidos, dois colomis, centenas de publicações inúteis, o orgulho nacional disposto na honra ao mérito, enquadrada e posta a prego logo atrás. Nenhum sinal. Como é que esse cheiro impregna aqui? Fecha a gaveta. Google. Professor de direita marxista. Tec. Professor, Marx, dialética, MBL. Tec. Professor de direita, Tec. Grupo pela libertação do comunismo. Tec. Professor, filósofo, escritor, católico. Tec. Fórum. Leu o livro do imbecil? Do Olavo? Tec. Líderes da direita. Tec. Bolsona Tec. Partido Social Cristão. Tec. Nenquê curtiu. Pela família, pela Ditadura, cadeia mais cedo, armas pra todos! Tec. Dei uma betada na cabeça dele. Na briga vale tudo. Se você tiver pedra, joga, com mais armas menos brigas, estatística. Mais presos menos crime. Estatística. Mais famílias menos gays. Mais brancos menos negros. Mais menos. Tec. Abre o jornal. Segura as ponta: naquilo que rejeito no outro, Eu estou lá. Imbecil. Abre sua conta. Como tem gente idiota nesse mundo. Daí o cara quer igualdade. Nenquê comenta: hahahahahaha. Toca o telefone. Combina-se horário, quantia, preço. Ele olha pra gaveta vazia. Fecha essa gaveta aí. Sai pisando e contando os passos. 1 2 3 4. Volta pro um. Volta pro quarto.
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