Unidos pela bola II
Na primeira parte desta crônica falei de dois personagens que passaram pela minha infância e pré-adolescência e aos quais, nesse período, nos aproximou a bola, mais especificamente, a bola de futebol.
O terceiro personagem, com quem encerro essas duas crônicas, é Paulo Roberto Rochembach, o Paulinho, camisa 7, do Cerro Futebol Clube, time da mítica, pelo menos para mim, rua Barão do Cerro Azul. Montamos o Cerro, se não me engano no final de 1972, e, como disse na crônica anterior, nem só de garotos dessa rua era formado o time, mas também de garotos de outras ruas próximas, que faziam parte da turma da Barão.
Caso de Paulinho que morava na rua Primeiro de Maio.
O jogo de estréia do Cerro foi no campo do próprio time, evidentemente, que na Barão do Cerro Azul, quase em frente à casa em que eu morava. Convidamos um time comandado por Jorge Matzemcaher e Luís Renato Carvalho Pinto. Como o campo era pequeno, jogávamos ou em 6 ou 7, e a formação titular de nosso time era com Nivaldo no gol, e na linha, eu, Bughay, Paulo e Zinho Murara e Paulinho. Paulo e Zinho moram hoje em Canoinhas, Vilmar Antônio Bughay, infelizmente, nos deixou em 1990, vítima de um acidente de automóvel, Paulinho reside em Araucária, e, eu e Nivaldo continuamos por aqui.
Mas voltando ao jogo em que estreávamos nosso jogo de camisas, ganhamos de 16 a 4. O leitor vai perguntar e até duvidar de minha memória. Além de possuir uma boa memória, recentemente, encontrei o histórico de nosso time. Todas as partidas disputadas e quem marcou os gols. Nesse primeiro jogo Paulinho fez 8, cabendo ao resto do time os outros 8.
Prosseguimos jogando quase sempre em nosso campo e às vezes em outros campos, que existiam quase que em cada rua da cidade. Como disse Paulinho Tapajós em uma bela canção, era o “o tempo dos quintais, tempo em que o medo se chamou jamais”. Mas jogávamos muito com um time da vizinhança, da rua Coronel Gualberto, o time de Gilberto Lima e Paulo Afonso Riesemberg.
Nunca perdemos para eles, era goleada em cima de goleada, com Paulinho, como se diz na gíria futebolística, deitando e rolando. Em um dos mais emblemáticos jogos contra esse time, choveu muito antes e durante o jogo, alagando, completamente, o campo.
Mas como o jogo estava marcado e não tínhamos medo de água, lá fomos nós. Nesse dia, Gilberto e companhia resolveram caçar, quase que literalmente, o Bughay, que além de forte era muito rápido e usava muito os braços pra se livrar da marcação.
Com o Bughay como alvo esqueceram o Paulinho, e, resultado, 11 a 0 pra nós, com 8 do Paulinho, servido pelo garçom, Bughay.
Como o time do Gilberto já havia perdido uma dezena de jogos pra nós, nos convidou pra jogar em um campo maior, com 11 jogadores.
Fomos então ao chamado campo do Dalmaz. Fomos com time de nossa rua, aqueles 6 que mencionei, anteriormente, e mais uns garotos menores. Eles montaram um time com garotos da cidade inteira, pra não perder de novo.
E não perderam, ganharam de 4 a 1, e quebraram nossa invencibilidade de vários jogos.
Resolvemos não mais jogar em campos grandes, pois não se tinha 11 garotos à altura do time titular. Tínhamos mais uns dois e só. Os outros eram muito pequenos. Jogamos mais algumas dezenas de jogos em nosso campo e em outros campos menores e ganhamos todos, com uma verdadeira enxurrada de gols de Paulinho.
Aí já esquecida aquela então fatídica derrota de 4 a 1, fomos convidados a jogar contra o temido time do Colégio São José, que era comandado por Fernando Mayer, jogador clássico, cujo estilo lembrava muito Ademir da Guia.
O jogo deveria ser no Colégio São José, que possuía um campo grande, onde atuavam 11 jogadores. O que fazer. Ir só com nossos garotos era goleada na certa. Decidimos reforçar nosso time com alguns jogadores de outros times nossos adversários. Fomos buscar um menino que respondia pelo apelido de Pelezinho e que morava e jogava num campo atrás da garagem da Estrela Azul. O sujeito era muito habilidoso, se comparado com algum jogador atual, diria que lembra o Robinho, muito hábil, mas pouco produtivo. Jogava muito para os lados, com excesso de firulas.
Era bom de bola, mas jogava mais para a galera. Outro que fomos buscar foi um menino chamado de Miroco e que jogava no time do Ivo Trebien, que morava na esquina da rua Costa Carvalho com a Barão do Cerro Azul. Esse também era bom jogador. Jogava pela esquerda e era muito veloz. Em frente a casa do Ivo Trebien, na Barão, havia uma antiga casa e por algum tempo morou ali uma família, cujo um dos filhos respondia pelo apelido de Serrote e que era bom jogador.
Pra completar a lista de novos “contratados”, trouxemos um garoto que já vinha jogando conosco algumas vezes, Nelson Martins, que morava na Rua Ipiranga. Dos três primeiros nunca mais tive noticias. Nelson Martins, segundo o contabilista e meu amigo, Paulo Albuquerque, então goleiro do Vasco da Gama, cujo campo era ao lado de sua casa na Costa Carvalho, quase na esquina com a 1º de Maio, é médico e mora em Curitiba.
Completado o time fomos ao São José. Tomamos um sufoco no primeiro tempo, com o time quase todo recuado.
Pelezinho não viu a cor da bola, restava Paulinho meio que sozinho e que não conseguia se desvencilhar de toda a defesa adversária. Mesmo assim conseguimos terminar o primeiro tempo em zero a zero.
No intervalo reunimos o time, e, eu e Paulinho que comandávamos a garotada, resolvemos mexer no meio de campo que até então resistia bem às investidas adversárias, principalmente, com o Bughay jogando de volante e fazendo uma excelente partida. Mas o que passou por nossa cabeça: O time deles não é o bicho, dá pra ganhar. Vamos sair da retranca, armando um meio de campo mais ofensivo. Numa burrice sem precedentes, sacamos o Bughay, até ali o melhor em campo e colocamos o Valtinho Kliemann, que havia jogado no time do São José e saído ao se indispor com o capitão do time, Fernando Mayer. Valtinho que na época era conhecido por Cripa, era cabeludo, jogava com faixa no cabelo, tinha pinta de boleiro e de fato, era excelente jogador. Mas abrir o ferrolho nos custou caro, perdemos de 6 a 0. Nem as fulminantes arrancadas de Paulinho, que me fazem lembrar a forma do jogador Zico atuar, deram jeito.
Daí em diante resolvemos não mais jogar em grandes campos. Ficamos só em campos pequenos e não perdemos mais até o time acabar em meados de 74, quando decidimos fazer um campeonato com todos os times da redondeza e mais um time convidado, do bairro São Bernardo.
Mas como o Cerro tinha muitos garotos, resolvemos fazer dois times. Ficando o Paulinho como capitão de um e eu de outro.
A primeira medida foi ver quem ficaria com as camisas do Cerro. Tiramos na cara ou coroa e Paulinho ganhou, mudando o nome do time, mediante prévio acordo. Paulinho escolheu então o nome de Kerosene, com K mesmo e nosso time batizamos de Ajax, em homenagem ao lendário time de Cruyff. Compramos camisetas brancas e levamos à casa de Dona Isaura, tia do Machado, que morava ao lado de minha casa, para tingir as camisas e pintar os números. A idéia era deixá-las alaranjadas, como a camisa da emblemática seleção holandesa. Dona Isaura errou no tingimento e as camisas ficaram entre o roxo e o pink.
Ficaram extravagantes, mas ficaram bacanas, acabamos gostando do resultado. Ao escolhermos os meninos que comporiam nossos times, fomos de novo para o cara ou coroa e dessa vez ganhei e escolhi primeiro. Escolhi Paulo Murara, com quem me entendia bem no meio de campo, Paulinho escolheu Bughay. Eu precisava de um jogador habilidoso e chamei o mineiro Nelson Martins; Paulinho sentiu que precisava de um goleiro e chamou Nivaldo. Aí foi minha vez de escolher meu goleiro, Gilmar Preissler, o Gima, de saudosa memória. Gima era baixinho, mas era bom goleiro, Paulinho escolheu Zinho, eu Machado e, finalmente, Paulinho escolheu Dito, fechando nossos dois times.
Fizemos a tabela deixando o confronto entre Kerosene e Ajax para a última rodada, imaginando que ambos chegariam até lá invictos. Sabíamos que teríamos uma partida difícil contra o São Paulo, o time do bairro São Bernardo. Já havíamos derrotado eles umas 5 vezes, mas sempre com nosso time completo, isto é, com Paulinho.
Empatamos apenas um jogo contra eles, quando Paulinho jogou só um tempo e teve que sair para viajar com seus pais. O jogo terminou 4 a 4. Ganhamos todos os jogos, inclusive do São Paulo, por 3 a 1, no campo do Vasco da Gama. A penúltima rodada marcava o jogo entre Kerosene e São Paulo. Se o Kerosene perdesse, nós jogaríamos contra eles pelo empate, na rodada final. Foi um jogo duro, mas o Kerosene ganhou de 3 a 2, com três gols de Paulinho.
Desta maneira, fomos ambos para o último jogo, invictos.
Marcamos Paulinho, individualmente, ora eu, ora Paulo, ora Nelson que voltava para ajudar na marcação.
Terminamos o primeiro tempo ganhando de 3 a 1. Nós não acreditávamos, nem eles. Mas Paulinho era mesmo imarcável. Fez o segundo, já havia feito o primeiro e empatou o jogo 3 a 3. Entramos em parafuso e já no finalzinho ele escapou de Nelson, driblou Paulo e veio em direção ao gol. Eu era o último homem, fui seco nele e fiquei a ver navios. Ele ia marcar e o derrubei dentro da área. Os juízes que eram dois, Divonsir de Lima Jr. e Antônio Carlos Gomes marcaram penalty.
Desaforei-os e disse que deviam vestir a camisa do Kerosene. Eles estavam certos e levei cartão amarelo.
Mas como valia tudo, fui para o gol tentar o inevitável. Não adiantou, bola na rede: 4 a 3.
Sai do gol furioso e fui pra cima de Divonsir que me expulsou e foi cercado por Paulo e Nelson, e, diante da fúria de nosso time apitou o final de jogo declarando o Kerosene campeão.
Não aceitamos, quisemos quebrar a taça, mas de nada adiantou eles deram, com justiça diga-se, a volta olímpica.
Paulinho mais uma vez havia desequilibrado. Foi o fim da curta história do Cerro, aproximadamente, uns dois anos.
Nós já adolescentes, com outros interesses, deixamos a bola de lado, principalmente, porque em 1975, Paulinho iria para o exército, Paulo e Zinho, foram embora para Canoinhas, e, Nivaldo no fim do ano para Brasília, onde prestou o serviço militar.
Paulinho foi sem dúvida nosso maior craque e imagino que hoje ainda bata um bolão.
Leave a comment