Valores sólidos em tempos de realidade líquida
O polonês Zigmunt Bauman pode ser considerado, sem qualquer sombra de dúvidas, um dos maiores pensadores da atualidade. Do alto de seus 91 anos de idade, a imensa maioria dos quais dedicados a pensar as sociedades humanas e o comportamento do indivíduo quando se encontra em grupo, este sociólogo é o autor de conceitos que simplesmente nos permitem pensar os dias atuais sob uma ótica absolutamente inovadora. De fato, não existe adjetivo melhor para nos referirmos a ideias capazes de oferecer um pouco de racionalidade em um contexto que parece caótico em múltiplos aspectos. Ideias que permitem compreender o que, á primeira vista, parece incompreensível. Pensar o que muitas vezes parece não ser passível de qualquer tipo de análise. Sim, o mundo atual amedronta, acovarda mesmo aqueles que não se propõe a preparar-se para enfrenta-lo. E expõe ao ridículo, sem qualquer nota de piedade, todo aquele que intente explica-lo sem o necessário estudo prévio que o habilite a isso.
Realidade líquida é, talvez, o conceito mais conhecido de Bauman. Ele se refere à constante instabilidade das relações humanas. Tudo que até ontem parecia certo e inquestionável amanhã pode vir a ser completamente descartado como algo sem importância. Todo o planejamento de uma vida, formulado cuidadosamente para garantir o máximo de conforto material e o aproveitamento do máximo de oportunidades para evolução como ser humano pode vir a ser completamente descartado após a descoberta de uma nova verdade incontestável, tão absoluta e concreta quanto a anterior por ela substituída. Verdade essa que muito provavelmente será, também ela, substituída por sua sucessora em um espaço de tempo curto demais para que as pessoas normais se dêem conta e possam sequer tentar compreender o que está acontecendo. E o que dizer da política então? Tão incerta quanto podem sê-lo as ondas revoltas de um mar tempestuoso em noite sem Lua.
Economia? Nem se fala! Meu pai se aposentou após trabalhar por 35 anos ininterruptos na mesma empresa. Concursado, ainda posso sonhar seguir seus passos neste quesito. Não tivesse conquistado a sonhada aprovação ainda estaria, muito provavelmente, vivendo de contratos curtos em escolas e cursos variados da nada estável metrópole de São Paulo. Isso após longos quinze anos de estudos ininterruptos em duas das mais prestigiosas universidades do país. Em 2008 iniciei minha pesquisa de doutoramento acreditando que vivia, finalmente, em um país do presente, não mais do futuro. As possibilidades sorriam! O emprego era pleno! Não havia porque nutrir maiores preocupações quanto ao futuro em termos materiais. Bastaria estudar e tudo estaria resolvido. Creio que não é necessário comentar o quanto os fatos seguintes desmentiram minhas expectativas um tanto, hoje já me sinto emocionalmente preparado para confessar, infantis.
Os exemplos poderiam se multiplicar, mas concluo aqui para não cansar ao amigo leitor. Valores, tradições, sentimentos, afetos, tudo muda com a rapidez de um piscar de olhos, e nada parece muito confiável em um mundo no qual as notícias se sucedem com uma rapidez atroz, muitas vezes contradizendo completamente a novidade de um minuto atrás. Periódicos se dizem imparciais mas acusam sempre os mesmos – culpados ou inocentes, enquanto adulam outros – competentes ou substituíveis. Líderes religiosos surgem e desaparecem com a mesma rapidez com que pregam com palavras máximas irretocáveis, rapidamente contraditas por seu próprio comportamento quando na vida privada. Precisamos de referências, precisamos de orientação.
Nos tempos da realidade líquida, no qual as antigas fórmulas durante décadas utilizadas por nossos pais parecem não mais servir, mas também no qual as novas respostas ainda não dão conta satisfatoriamente de problemas até bem pouco tempo atrás completamente desconhecidos, é necessário nos apegarmos a certos preceitos universais que mesmo o mais elaborado exercício mental não seja capaz de destruir. Como, por exemplo, aquele que prega que apenas a garantia de uma educação de qualidade a seus cidadãos é capaz de garantir um bom futuro para qualquer nação. O que faz com que, portanto, qualquer recurso utilizado com este objetivo possa ser qualificado como investimento, nunca como gasto. Investimento prioritário, daqueles cujo valor nem mesmo a mais líquida e incerta das realidades é capaz de diminuir. Incertezas, provisoriedade, necessidade de rápida adequação a novidades cada vez mais instantâneas não são desculpa para a falta de visão de qualquer pessoa que, por qualquer razão, tenha sido colocado na posição de definir os destinos de um país. Educação tem que ser prioridade sempre, todo o resto vem depois. Em qualquer tipo de contexto, realidade ou tempo que se queira ou se possa imaginar. Até a próxima!
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