Verbos abundantes e outros nem tanto
O jornal G1 noticia: “Semáforos com sensores para controlar velocidade têm pego motoristas de surpresa na cidade”, situação que causa certa indignação nos motoristas. Com relação às condições de tráfego, o Jornal da Região de Andradina anuncia que um problema que tem chego com frequência à câmara de vereadores são os buracos existentes nas ruas. Essas notícias, entre muitas outras, indicam que não se tem aceito bem as condições de trânsito que se apresentam.
Este é o mês do Maio Amarelo, movimento cuja proposta é chamar a atenção da sociedade para os altos índices de acidentes no trânsito. Nesta coluna, no entanto, o parágrafo inicial serve para ilustrar o uso que se faz, por vezes incorretamente, de algumas formas verbais. Os três verbos utilizados em sua forma de particípio passado, pego, chego e aceito, deveriam ter sido grafados: pegado, chegado e aceitado. As formas do primeiro parágrafo existem na língua portuguesa, obviamente, porém sua utilização é considerada adequada em outras situações: Um bandido pode ser pego; um pedido de desculpas pode ser aceito; e ao tratar do tempo presente ou futuro, eu chego na hora certa. O que está inadequado é seguirem o verbo “ter”.
Os verbos pegar e aceitar, assim como pagar, secar e ganhar são considerados verbos abundantes, pois apresentam duas formas de particípio passado: pego e pegado; aceito e aceitado; pago e pagado; seco e secado; ganho e ganhado. As diferenças de usos dos particípios de alguns dos verbos abundantes nos são mais evidentes: Dificilmente dizemos que tínhamos “seco o cabelo”. Mas não é incomum ouvirmos, e até mesmo escrevermos, “tinha ganho” ou “tem pago”. Encontra-se muita aceitação das duas formas do verbo salvar: “Alegou ter salvado uma criança” ou “Alegou ter salvo uma criança”; o mesmo não ocorre, no entanto, com as duas formas de particípio passado do verbo acender: “A luz está acesa/acendida”.
Os verbos abundantes são poucos em nosso idioma, pois a maioria dos verbos, considerados regulares, possui apenas uma forma de particípio passado, grafada com os sufixos – ado ou –ido. Quer dizer que não podemos fazer uma analogia com pagar: Pagar está para pagado e pago assim como trazer está para trazido e trago? Se uma biografia pode ser aceita ela também pode ser compra? Não, essas formas (ainda) não existem. Trazer e comprar não possuem a prerrogativa de dois particípios, como os verbos abundantes; são apenas verbos regulares.
Entre aceitado e aceito, talvez os leitores já tenham percebido que o primeiro (forma regular) segue os verbos “ter” ou “haver”, enquanto o segundo (forma irregular) segue os verbos “ser” e “estar”, como em “O empregado tinha aceitado a proposta do patrão” e “Marjorie foi aceita no clube”; “A população não o teria elegido”, mas “Ele foi eleito”. De modo geral, as formas regulares preservam a condição de verbo no particípio, exprimindo ações, enquanto que as irregulares tendem a manifestar a sua condição de adjetivo.
A forma verbal pego, que apresentei aqui como particípio irregular do verbo pegar, (ainda) não é aceita como tal em muitas gramáticas; é inegável, porém, que a forma já “pegou”, pela frequência com que é utilizada, tendo sido consagrada pela linguagem popular.Agora, se pegado tende a desaparecer, como afirma, por exemplo, Cândido de Oliveira, e ser substituído por pego, o certo é que por enquanto ele ainda existe, e é utilizado em nosso idioma, sendo preferível na linguagem formal.
Há quem afirme que não existe falar errado, o que existe são variações, regionalismos e coloquialismos. Concordo. Mas quando se trata de escrever, profissionalmente ou como candidatos em testes e concursos, a prática do “falar errado” apresenta-se como problema, pois estaremos sendo avaliados por critérios que não são compreensivos, ou tolerantes, com as diversas variações. Não há por que rejeitar as formas clássicas a fim de validar o novo, pois a língua, ao sofrer mudanças, durante um bom tempo continuará apresentando a coexistência de ambos.
Se você concorda, procure não utilizar mais: “Até ontem, a loja não tinha entregue o aparelho”; “Se eu soubesse que ia demorar, eu tinha trago o meu livro”; “O ladrão não escapou porque a polícia já tinha chego”; “Ela tinha pago as reservas com antecedência”; “Havíamos ganho a competição”.
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